Interessa-nos analisar as relações de conflito,...interessa-nos analisar as relações de conflito, oposição, sobreposição, mais também de retroalimentação mutua entre, por um lado, os saberes expertos, entendidos como possíveis vetores de medicalização, judicialização e psicopedagogização das vicissitudes e impasses na experiência da infância por parte de uma criança, e, por outro, os conhecimentos informais ou profanos produzidos nos laços sociais sem a mediação dos especialistas. os desdobramentos da crescente gravitação dos saberes expertos no mundo da infância serão examinados numa perspectiva histórico-epistemológica. as ideias de que a educação de uma criança, seja a familiar, isto é, aquela que resulta dos laços primordiais adultos/crianças, seja a escolar tanto é suscetível de controle mais ou menos metódico, graças a um acumulo de saberes expertos sobre a infância os mais diversos, quanto que é possível prever descaminhos considerados nocivos para o dito desenvolvimento normal de uma criança ocupam uma posição hegemônica no imaginário social. no brasil, por exemplo, as reformas pedagógicas integrais da forma escolar promovidas regularmente, em nome de toda sorte de sistematização psicopedagógica, ao ritmo das trocas governamentais, não só são, hoje em dia, aceitas quanto mais ainda de certa forma esperadas por pais e profissionais. já na frança a despeito de certa inercia pedagógica ainda vigente, impõe-se aos poucos a convicção de que a experiência escolar das crianças seria suscetível de certa formalização neuro-psicopedagógica. nesse sentido, não deve nos surpreender que para além da querela sobre as credencias profissionais de seus membros, a instalação em si mesma, em 2018, do conseil scientifique de l’éducation nationale não tenha sido impugnada politicamente. a existência inevitável de fronteiras difusas e pouco claras entre as ditas normalidade e patologia psíquicas tem permitido não só a multiplicação de diagnósticos sempre mais novos - de 106 distúrbios na primeira edição do diagnostic and statistical manual of mental disorders em 1952, passou-se para mais de 300 na 5a edição, de 2013 - como também a aceitação da ideia de que seria possível identificar pequenos signos anunciadores de uma patologia grave ainda por vir, afirmando a necessidade de realizar intervenções preventivas. tais intervenções permitiriam uma identificação prematura dos problemas de comportamento, socialização e de aprendizagem escolar, com vistas à promoção de uma intervenção no sentido de se evitar tanto a cronicidade de patologias psíquicas como a emergência na vida adulta de conflitos disruptivos da vida social.