Frente a sucessivos desmontes e institucionalização precária de políticas públicas de cultura, bem como da baixa efetividade de direitos constitucionais relacionados à cultura, e diante de uma crise sanitária sem precedentes, o setor cultural brasileiro, deu maiores indicativos de em estado de emergência. entretanto, em tempos de distanciamento social também foi possível observar que estar apartado fisicamente não, necessariamente, implicaria na não existência de mobilizações, identificações coletivas e articulações. pelo contrário, agentes culturais de todas as regiões do país, inclusive do estado de santa catarina, juntos de organizações representativas do setor cultural e de parlamentares, mobilizaram-se, articularam-se, formaram identificações coletivas. e, tornaram, assim, possível o nascimento da lei de emergência cultural aldir blanc. entre as organizações representativas do setor cultural, anteriormente mencionadas, encontra-se o conselho estadual de cultura de santa catarina (cec-sc). órgão colegiado de caráter permanente, consultivo e deliberativo, vinculado à fundação catarinense de cultura (fcc), que se constitui como espaço de pactuação de políticas estaduais de cultura, e, que atuou no intuito de mitigar os impactos, especialmente econômicos, no setor cultural. circunstância que requisitou também, aos seus integrantes outras formas de atuação, articulações, mobilizações e possibilitou a ocorrência de identificações, permitindo o desenvolvimento desta pesquisa, cujo objetivo foi: refletir acerca do narcisismo das pequenas diferenças na dinâmica de formação de identificações dos membros do cec-sc, no contexto da pandemia da covid-19, à luz da psicanálise e da teoria do discurso político (tdp). com vistas a lograr o referido objetivo, realizou-se uma pesquisa de abordagem qualitativa cuja estratégia adotada foi o estudo de caso. entre o segundo semestre de 2019 e o primeiro semestre de 2021, realizou-se 189 (cento e oitenta e nove) horas e 7 (sete) minutos de observação participante e não participante, bem como 12 entrevistas com onze agentes culturais, totalizando, aproximadamente, 12 (doze) horas de entrevistas. o conteúdo das entrevistas e das observações foi submetido à técnica de triangulação. dessa maneira, foram comparados com dados secundários provenientes de pesquisa documental. posteriormente à leitura, catalogação e separação dos dados, delineou-se um contexto discursivo analisado segundo a análise de conteúdo categorial de bardin (2016). enquanto categorias analíticas definidas a posteriori, recorreu-se, sobremaneira, aos conceitos de narcisismo das pequenas diferenças, identificação, significante vazio, ponto nodal e antagonismo. os resultados evidenciaram que as articulações e mobilizações, aos níveis estadual e federal, variaram em intensidade conforme às etapas institucionais a serem cumpridas, como os processos de: formulação e aprovação na câmara dos deputados e no senado; sanção; regulamentação; implementação; e, prorrogação. ademais, os sujeitos desta tese, destacaram que algumas circunstâncias contribuíram para a realização dos processos de articulação e mobilização, como: luta por sobrevivência/sentir na pele; disponibilidade de tempo; familiaridade com redes sociais; existência de redes de contato ativadas devido aos desmontes na cultura; e, a fuga da polarização, da ideia da lei de emergência cultural enquanto um projeto político da esquerda ou de oposição. no que concerne, mais especificamente, à análise da dinâmica de identificações entre os membros do cec-sc, observou-se particularidades em dois períodos distintos: aqueles que se deram antes do início das medidas restritivas em razão da pandemia da covid-19 e aqueles que ocorreram posteriormente a elas. no primeiro período em análise, percebeu-se a disputa pela fixação parcial de sentidos do significante, e também ponto nodal, "sociedade civil". diante da fixação nodal do significante sociedade civil houve, entre os sujeitos identificados com este significante, o estabelecimento de uma relação equivalencial e a conformação de uma cadeia de equivalências. isto impulsionou a demarcação da fronteira política ou corte antagônico, dicotomizando o espaço social entre nós e eles dentro de uma prática discursiva. aponta-se que a relação antagônica estabelecida entre nós e eles, conselheiros representantes da sociedade civil e do governo estadual, evidenciou, ainda, manifestações do narcisismo das pequenas diferenças. no segundo período, frente a um contexto em que os membros do cec-sc passaram a assumir uma série de demandas relacionadas às ações para mitigar o impacto da pandemia da covid-19 no setor cultural catarinense, a percepção da fronteira política entre o nós x eles, sociedade civil x governo, foi se tornando menos evidente, até se deslocar. assim, a dicotomização do espaço social entre nós e eles, no cec-sc, nos termos da tdp, deixou de ocorrer. isto se deu, sobretudo, com a conformação de uma cadeia equivalência que requisitou a formação de um significante vazio, a identificação com este e que tal significante funcione como um ponto um ponto aglutinador das representações, ideais ou desejos dos sujeitos, ou seja, como um ponto nodal. no período aqui descrito, o ponto nodal observado, e também significante vazio, alvo de identificações entre os membros do cec-sc, foi o "emergência cultural". essa reunião de sentidos em um ponto comum, emergência cultural, foi possibilitada pela identificação com esse significante e atuou na união de agentes culturais, e, mais especificamente, no grupamento em estudo. compreende-se que isto ocorreu, com a diminuição do investimento libidinal no eu, ou no particular, em prol daquilo que era comum ou do que havia sido esvaziado de seu significado particular. por sua vez, isto atuou na suspensão de diferenças entre eles, bem como do narcisismo das pequenas diferenças, ou seja, desse fenômeno em que as pequenas diferenças dentro da semelhança geral, motivam sentimentos de estranheza e hostilidade entre sujeitos. situação que auxiliou na formação de uma "unidade" ou relação equivalencial e possibilitou uma identificação coletiva.