Esta cartografia entre mares se propõe a compreender os atravessamentos religiosos no debate sobre a legalização do aborto no brasil. partindo da hipótese de que a influência religiosa serve como empecilho para a descriminalização do aborto, o objetivo principal da pesquisa girou em torno da análise dessa afirmativa e, mais que isso, do mapeamento de sua amplitude. para tanto, os conceitos de secularização e laicidade, que refletem sobre a presença da religião no espaço público, orientaram a análise. foi essencial colocar em perspectiva a complexa realidade brasileira no que concerne ao objeto, sendo portugal um importante contraponto para a investigação. nesse sentido, o percurso metodológico se pautou pelas premissas do método cartográfico, principalmente na ideia de inversão, segundo a qual as metas são indicadas pelo caminho. para a coleta de dados, o trabalho recorre à pesquisa histórica documental nos seguintes acervos: em portugal, centro de documentação 25 de abril e centro de documentação elina guimarães; no brasil, hemeroteca digital da biblioteca nacional. o corpus documental foi composto, majoritariamente, de fontes midiáticas como notícias, reportagens, entrevistas, cartas e textos de opinião. como recorte temporal, foram escolhidos os dois referendos para a descriminalização do aborto em portugal (1998 e 2007), bem como a assembleia nacional constituinte, no brasil. além disso, também foi realizada uma coleta de dados prévia para fornecimento de pistas cartográficas, no cenário brasileiro, durante a audiência pública sobre a arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 442 (adpf 442), que averigua a inconstitucionalidade dos artigos do código penal que criminalizam o aborto. a análise teve como fio condutor a noção de entre para pensar o problema de pesquisa para além da polarização dos argumentos contra e a favor do aborto. com isso, foi possível encontrar apontamentos de que a interferência religiosa na discussão sobre o direito à ivg (interrupção voluntária da gravidez) se dá por dentro da secularização e não em oposição a ela. ademais, a cartografia analítica indicou uma pluralidade de entendimentos a respeito do tema, mesmo entre representantes e grupos religiosos. nesse sentido, a categoria das dissidências se mostrou como relevante para possíveis transformações no consenso social em torno do aborto. uma abordagem feminista sugeriu que o controle sobre os corpos, mais do que o dogma religioso, orienta a ingerência religiosa nas legislações relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos. por fim, a análise considerou uma outra forma de entender a vida, que seja capaz de abrigar a precariedade e a proteção de grupos historicamente abandonados à morte.